terça-feira, 7 de maio de 2024

Ainda na recuperação

 Por Jânsen Leiros Jr.


 
1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida. 2 Então, correu e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes: Tiraram do sepulcro o Senhor, e não sabemos onde o puseram.

3 Saiu, pois, Pedro e o outro discípulo e foram ao sepulcro. 4 Ambos corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro; 5 e, abaixando-se, viu os lençóis de linho; todavia, não entrou. 6 Então, Simão Pedro, seguindo-o, chegou e entrou no sepulcro. Ele também viu os lençóis, 7 e o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus, e que não estava com os lençóis, mas deixado num lugar à parte. 8 Então, entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, e viu, e creu. 9 Pois ainda não tinham compreendido a Escritura, que era necessário ressuscitar ele dentre os mortos.

10 E voltaram os discípulos outra vez para casa.”  

João 20:1:10 - ARA

 

No capítulo anterior, exploramos os quarenta dias após a ressurreição de Jesus, durante os quais ele se manifestou aos seus discípulos. Nesse período, ocorreu uma importante transição: a transferência gradual de liderança da figura terrena de Jesus para a sua Igreja. No entanto, ressaltamos que essa transição não seria fácil de compreender. Ao longo dos três anos de convívio com Jesus, seus discípulos foram confrontados com ensinamentos profundos e desafios que nem sempre foram plenamente assimilados. Não pretendemos julgar os discípulos, pois é compreensível que entender completamente o que Jesus ensinava fosse uma tarefa árdua para qualquer um de nós.

Ademais, destacamos que as aparições de Jesus após a ressurreição transcendem a mera confirmação de um evento histórico. Embora possam parecer meramente comprobatórias, essas manifestações carregam consigo significados teológicos profundos e transformadores. Ao confirmar a ressurreição, esses encontros também cumprem importantes profecias messiânicas, revelando Jesus como o esperado Messias de Deus. Mais do que simples confirmações históricas, as aparições de Jesus estabelecem os fundamentos da missão da Igreja. Elas não se limitam ao contexto histórico imediato, mas continuam a ser relevantes e impactantes para a fé cristã ao longo dos séculos.

As Profundas Revelações nas Aparições Pós-Ressurreição de Jesus

Os Significados Teológicos Comuns

Prova da Ressurreição e Vitória sobre a Morte

Todas as aparições de Jesus após sua ressurreição servem como prova irrefutável de sua vitória sobre a morte. Como observa o teólogo Rudolf Bultmann, em sua obra "Teologia do Novo Testamento", a ressurreição de Jesus é o evento central da fé cristã, pois confirma sua divindade e o cumprimento das promessas de Deus. Cada encontro com os discípulos ressuscitados é uma afirmação tangível da vida eterna que ele oferece a todos os que creem nele.

Ou seja, a ressurreição não é apenas mais um dos sinais prodigiosos de Jesus, mas o sinal definitivo de sua divindade e messianismo. Ele é o Santo de Deus, o Resgatador, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Nosso Senhor e nosso Deus.

Comissão e Autoridade para a Missão

Em várias aparições, Jesus comissiona seus discípulos para espalhar as boas novas do evangelho e fazer discípulos de todas as nações. Essa comissão é evidenciada na aparição aos discípulos na montanha na Galileia, onde Jesus declara: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado" (Mateus 28:19-20). Essa autoridade é conferida por Jesus e continua sendo a base da missão da igreja ao longo dos séculos.

Consolo e Encorajamento

Muitas das aparições de Jesus após sua ressurreição têm como objetivo consolar e encorajar seus discípulos diante da incerteza e do medo. O encontro com os discípulos em Jerusalém, onde Jesus aparece no meio deles e lhes diz: "A paz esteja convosco" (Lucas 24:36), é um exemplo claro desse consolo. Como observa o teólogo Dietrich Bonhoeffer em "Discipulado", Jesus não apenas concede paz aos seus seguidores, mas também os capacita a viverem corajosamente em meio às adversidades.

Significados Exclusivos de Cada Aparição

Aparição para Maria Madalena

Este encontro destaca a importância da devoção pessoal a Jesus e sua disposição em revelar-se aos que o buscam com sinceridade. Maria Madalena é honrada como a primeira testemunha da ressurreição, enfatizando o papel das mulheres no testemunho do evangelho.

Aparição para Pedro

Ao aparecer a Pedro após sua negação, Jesus demonstra seu perdão e restauração, ressaltando a graça abundante de Deus e a disposição de perdoar até mesmo os pecados mais graves.

Aparição para os discípulos no caminho de Emaús

Nesse encontro, Jesus abre as Escrituras e revela o significado profundo de sua morte e ressurreição, destacando a importância do estudo das Escrituras e da comunhão íntima com ele.

Aparição aos discípulos à beira do mar da Galileia

Ao restaurar Pedro e comissionar os discípulos para apascentar suas ovelhas, Jesus renova sua chamada para o serviço no reino de Deus e reafirma seu amor incondicional por seus seguidores.

Aparição a mais de 500 irmãos de uma só vez

Esse encontro confirma a realidade da ressurreição de Jesus e estabelece uma comunidade de testemunhas da fé, reforçando a importância do testemunho coletivo na transmissão do evangelho.

Aparição a Tiago

A aparição a Tiago é mencionada brevemente, mas destaca a importância do encontro pessoal com Jesus na transformação da vida do crente e no fortalecimento da fé.

Aparição aos discípulos na ascensão

A ascensão de Jesus aos céus é o clímax das aparições pós-ressurreição, demonstrando sua exaltação e soberania sobre todas as coisas. Este encontro marca o início da missão global da igreja e a promessa da vinda do Espírito Santo.

Essas aparições de Jesus após sua ressurreição não apenas confirmam sua vitória sobre a morte, mas também comissionam a igreja para continuar sua obra na terra. Elas nos desafiam a viver com fé, coragem e dedicação ao serviço do reino de Deus, compartilhando o amor e a verdade de Cristo com um mundo que tanto precisa dele. Que possamos responder ao chamado de Jesus com alegria e prontidão, sabendo que ele está conosco todos os dias, até o fim dos tempos.

domingo, 21 de abril de 2024

Quarenta dias de recuperação

Por Jânsen Leiros Jr.

 “... mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra.”  

Atos 1:8 - ARA

Estação Ressurreição

Como dissemos na introdução, entraremos nesta marcha com o trem em movimento. Anteriormente utilizamos a figura do bonde, mas penso que o trem é mais simpático e afetivo para nós brasileiros. E teremos que correr, pois esse trem apenas passará pela estação. Ele está em movimento há uns trinta e poucos anos, aproximadamente. Ao longo desses primeiros anos, o trem foi pilotado por Jesus. Ele nasceu, se escondeu no Egito, cresceu em Nazaré, reapareceu na adolescência, foi batizado por João, anunciou as boas novas de salvação, foi morto na cruz e ressuscitou ao terceiro dia. Tudo de acordo com as Escrituras, que há muito vinha assentando os trilhos por onde passaria essa composição. A partir da ressurreição, no entanto, Jesus inicia uma espécie de transição da condução desse trem; claro, isso tudo é uma simples metáfora. Mas me refiro apenas ao trem.

Nos quarenta dias que sucedem a ressurreição do Senhor, ainda que o registrado nos Evangelhos e na introdução do livro de Atos seja insuficiente para uma afirmação categórica, parece que Jesus realiza uma espécie de recuperação com seus alunos, como se tais tivessem ficado pouco abaixo da média necessária para passar de ano direto. Por quarenta dias, ele realiza aparições aos discípulos, como que os lembrando de tudo o que lhes ensinara, afirmando e reafirmando com sua presença que tudo aquilo que por três anos transmitiu a eles, não somente era verdade, como plenamente digno de ser repassado ao mundo.

Estes dias, portanto, representam um período de revisão do que ouviram nos anos de caminhada com Jesus, preparando-os para uma transição crucial na história do Cristianismo. Neles, eventos significativos pavimentaram a trajetória dos primeiros discípulos e lançaram os fundamentos para a propagação do evangelho. Durante esse tempo, os discípulos testemunharam não apenas o Senhor ressurreto, mas também receberam instruções e comissões específicas para continuar sua missão após sua partida iminente. Além disso, a ascensão foi um momento de grande importância teológica e escatológica, que preparou o caminho para o derramamento do Espírito Santo, o início da Igreja e de sua expansão. Mas sobre isso falaremos mais à frente. Não sei se notaram, mas já estamos marchando.

Aparições, fatos e significados

Olhando especificamente para esse pouco mais de um mês entre o extraordinário evento da ressurreição e a ascensão de Jesus, podemos observar pertinências relevantes nos fatos relatados nos Evangelhos e no livro de Atos, que os tornam muito mais importantes como conteúdos teológicos, do que meras narrativas históricas. Desde a descoberta do túmulo vazio por Maria Madalena e outras mulheres até às aparições seguintes do Senhor ressuscitado, os significados saltam dos fatos, sem qualquer necessidade de explicação pontual por parte de seus narradores. O que de certa forma nos obriga a comentar tal característica de forma isolada, ainda que não seja isenta de participação no exercício de nossa marcha aqui.

Não é segredo para ninguém que, por aqueles tempos em que a história dos Evangelhos se insere, ler e escrever era uma habilidade para poucos. Logo, e prestem bem atenção nisso, os relatos eram registrados, bem como o foi todo o Antigo Testamento, para serem lidos por alguns e ouvidos por todos. Ou seja, para surpresa de muitos, a Bíblia, de ponta a ponta, foi um conteúdo escrito para ser ouvido. E isso é muito mais do que um mero paradoxo ou jogo de palavras, porque tem total pertinência com a tensão direta entre o que é lido e o que é compreendido.

A realidade do índice de alfabetização das pessoas que viviam naqueles tempos, portanto, por si só deixa claro que, sem qualquer necessidade de explicação, porque conteúdo narrativo e não argumentativo, o que era ouvido da boca de quem lia era plenamente entendido por sua audiência. Claro, poderia até não ser profundamente compreendido nas entrelinhas, de imediato, mas todo o relato precisava fazer sentido e efetivamente fazia, porque ambientado numa mesma cultura vivenciada, tanto pelo escritor quanto por seus leitores e ouvintes. Não havia, portanto, código subliminar, charadas escondidas, nem pegadinhas semânticas. Até porque o texto bíblico não é um caça-palavras ou um jogo de palavras cruzadas, como pretendem alguns, que insistem em tentar desvendar supostos enigmas escondidos no texto sagrado.

Isso explicado, podemos voltar ao primeiro dia desse período de quarentena, em que a primeira aparição acontece a Maria Madalena, fato que poderíamos considerar sem qualquer importância para uma afirmação legal de que Jesus, como havia previsto, efetivamente ressuscitou. E por que? Porque, de novo ambientando os fatos para a realidade da época em que acontecem, o testemunho de uma mulher, naquela sociedade extremamente machista, não servia como atestado de verdade ou fé pública.

Ou seja, uma afirmação de Maria Madalena não podia denotar fato comprovado e verídico, o que trazido para a realidade de nossos dias, não poderia ser considerado prova por improbidade da fonte. Ou se preferirem, seria um fato não crível, por falta de prova científica. E eu aproveito para dizer: Ainda bem. Porque há um componente extremamente necessário e intrínseco a tudo o que envolve fé; a impossibilidade da prova. O que deixa para a fé, todo o exercício de sustentação da convicção que nos faz crer no improvável. E a marcha da Igreja não poderia ter seu primeiro passo firmado senão em fé; porque o justo, o justificado, viverá pela fé.

Quando alguém pergunta, por exemplo, “quanto é dois mais dois”, e um outro alguém responde “quatro”, aquele que ouve a resposta não precisa crer que a resposta está certa. Ele apenas aceita ou constata, uma vez que “dois mais dois” sempre foi, é e será “quatro”; uma verdade passível de comprovação, porque se “quatro menos dois é igual a dois”, logo, “dois mais dois é igual a quatro”. Uma questão típica de ciência exata.

Quando, porém, uma criança que colocada sobre um lugar alto, pergunta para seu pai “posso pular?” e esse pai diz “pode” e abre os braços para recebe-la, não há qualquer equação exata que leve a criança a concluir, constatar, ou mesmo produzir prova cabal para si mesma de que seu pai a irá segurar, garantindo que ela não se machuque. Em lugar de qualquer prova, essa criança acredita em seu pai e pronto. Sua confiança não está na comprovação exata de qualquer cálculo matemático que realize antes do salto. Ela confia no pai. Tem fé nele. Sabe que o pai a ama, e então salta. Apenas se lança, sem medo ou receio. Convicta de que será amparada. Sua confiança está no pai, e não no que ela pode racionalizar e concluir sobre seu salto.

Ora, a ressurreição também não poderia, não pôde e não pode ser provada cientificamente. Nem naqueles tempos e nem mesmo em nossos dias. O que, ato contínuo, nos torna efetivos participantes dessa marcha. Pois somos testemunhas de tão grande salvação, porque o Jesus ressurreto vive! E como é que puderam no passado e que podemos hoje, afirmar isso como verdade? Porque seu Espírito habita em nós. E, de novo, não há nada de científico nisso. Nada provável. Apenas convicção em fé porque intimamente experimentado. E isso é muito e isso é tudo.

Quem precisa de provas?

Pode ser que alguém, a essa altura, questione: mas Jesus nesses quarenta dias após a ressurreição não apareceu a outros discípulos, e até mesmo a Tomé, que pediu-lhe para ver as marcas de suas mãos e até pôde tocar em seu lado perfurado pela lança ainda na cruz? Sim, claro. Mas lembrem-se de que Lázaro também foi ressuscitado. E nem por isso se fez crer com o messias filho de Deus. Sua ressurreição como fato era incontestável. O texto faz questão de relatar que todos ao redor do túmulo, inclusive oficiais religiosos, testemunhavam sua morte há alguns dias, somado ao fato de que já cheirava mal.

Ora, se tanto Lázaro quanto Jesus tiveram a ressurreição como fato comprovado, no mínimo por testemunho de circunstantes, e já não falamos mais apenas do testemunho de Maria Madalena, qual é a diferença entre ambas as ressurreições, que faz uma ser fato comprovado, sem necessidade de sustento da fé, e a outra, a do Jesus que ressuscitou Lázaro, ser uma questão de fé? É que as aparições de Jesus ao longo dos quarenta dias são comprovações do cumprimento da promessa de sua própria ressurreição e da vida eterna que por Ele haveríamos de herdar. Não eram prova de um fato ocorrido ao terceiro dia após sua morte, mas de que Jesus era efetivamente o Messias prometido, o Filho de Deus encarnado, o Cordeiro imolado por nossos pecados e o Senhor da vida. E por isso Tomé diz: meu Senhor e meu Deus. Ou seja, ao aparecer aos discípulos naqueles quarenta dias, Jesus não prova pura e simplesmente sua ressurreição, mas antes reafirma definitivamente aos seus discípulos, o seu Messianismo; Jesus, o Cristo de Deus. A marcha da igreja é uma marcha de fé. Que testemunha o que pela fé acredita.

Pode ser que o exercício empreendido até aqui tenha sido bem puxado. Reconheço que meus miolos também fritaram durante a imersão nos textos bíblicos e nas referências teológicas e históricas que utilizamos no aprofundamento desse período inicial de nossos estudos. Mas também entendo que começamos do jeito que eu mais queria; tirar todos da zona de conforto. Talvez tenha sido necessário ler uma, duas ou até três vezes o que afirmamos nos parágrafos anteriores. Não esmoreça no caminho, porque valerá muito à pena seguirmos em marcha.

Concluídas as instruções e terminado o período de recuperação, Jesus levou seus discípulos ao Monte das Oliveiras e os abençoou antes de ascender ao céu diante de seus olhos. Não receberam diploma, mas lhes estava prometida a coroa da vida. A transição de comando estava completada. A partir de agora sua Igreja marcharia por conta própria. Empoderada sim, pelo Espírito Santo, mas firmada na fé no Cristo, o Salvador do mundo. Seu Senhor e seu Deus.

Mas lembra que antecipamos que há relevâncias teológicas nas aparições de Jesus nos quarenta dias, bem como na sua ascensão? Muito bem, falaremos disso no capítulo seguinte. Nem tirem as botas dos pés. Logo retomaremos a marcha.