Por Jânsen Leiros Jr.
Atos 1:8 - ARA
Estação
Ressurreição
Como
dissemos na introdução, entraremos nesta marcha com o trem em movimento.
Anteriormente utilizamos a figura do bonde, mas penso que o trem é mais
simpático e afetivo para nós brasileiros. E teremos que correr, pois esse trem
apenas passará pela estação. Ele está em movimento há uns trinta e poucos anos,
aproximadamente. Ao longo desses primeiros anos, o trem foi pilotado por Jesus.
Ele nasceu, se escondeu no Egito, cresceu em Nazaré, reapareceu na
adolescência, foi batizado por João, anunciou as boas novas de salvação, foi
morto na cruz e ressuscitou ao terceiro dia. Tudo de acordo com as Escrituras,
que há muito vinha assentando os trilhos por onde passaria essa composição. A
partir da ressurreição, no entanto, Jesus inicia uma espécie de transição da
condução desse trem; claro, isso tudo é uma simples metáfora. Mas me refiro
apenas ao trem.
Nos
quarenta dias que sucedem a ressurreição do Senhor, ainda que o registrado nos
Evangelhos e na introdução do livro de Atos seja insuficiente para uma
afirmação categórica, parece que Jesus realiza uma espécie de recuperação com
seus alunos, como se tais tivessem ficado pouco abaixo da média necessária para
passar de ano direto. Por quarenta dias, ele realiza aparições aos discípulos,
como que os lembrando de tudo o que lhes ensinara, afirmando e reafirmando com
sua presença que tudo aquilo que por três anos transmitiu a eles, não somente
era verdade, como plenamente digno de ser repassado ao mundo.
Estes
dias, portanto, representam um período de revisão do que ouviram nos anos de
caminhada com Jesus, preparando-os para uma transição crucial na história do
Cristianismo. Neles, eventos significativos pavimentaram a trajetória dos
primeiros discípulos e lançaram os fundamentos para a propagação do evangelho.
Durante esse tempo, os discípulos testemunharam não apenas o Senhor ressurreto,
mas também receberam instruções e comissões específicas para continuar sua
missão após sua partida iminente. Além disso, a ascensão foi um momento de
grande importância teológica e escatológica, que preparou o caminho para o
derramamento do Espírito Santo, o início da Igreja e de sua expansão. Mas sobre
isso falaremos mais à frente. Não sei se notaram, mas já estamos marchando.
Aparições, fatos e significados
Olhando
especificamente para esse pouco mais de um mês entre o extraordinário evento da
ressurreição e a ascensão de Jesus, podemos observar pertinências relevantes
nos fatos relatados nos Evangelhos e no livro de Atos, que os tornam muito mais
importantes como conteúdos teológicos, do que meras narrativas históricas.
Desde a descoberta do túmulo vazio por Maria Madalena e outras mulheres até às
aparições seguintes do Senhor ressuscitado, os significados saltam dos fatos,
sem qualquer necessidade de explicação pontual por parte de seus narradores. O
que de certa forma nos obriga a comentar tal característica de forma isolada,
ainda que não seja isenta de participação no exercício de nossa marcha aqui.
Não
é segredo para ninguém que, por aqueles tempos em que a história dos Evangelhos
se insere, ler e escrever era uma habilidade para poucos. Logo, e prestem bem
atenção nisso, os relatos eram registrados, bem como o foi todo o Antigo
Testamento, para serem lidos por alguns e ouvidos por todos. Ou seja, para
surpresa de muitos, a Bíblia, de ponta a ponta, foi um conteúdo escrito para
ser ouvido. E isso é muito mais do que um mero paradoxo ou jogo de palavras,
porque tem total pertinência com a tensão direta entre o que é lido e o que é
compreendido.
A
realidade do índice de alfabetização das pessoas que viviam naqueles tempos,
portanto, por si só deixa claro que, sem qualquer necessidade de explicação,
porque conteúdo narrativo e não argumentativo, o que era ouvido da boca de quem
lia era plenamente entendido por sua audiência. Claro, poderia até não ser
profundamente compreendido nas entrelinhas, de imediato, mas todo o relato
precisava fazer sentido e efetivamente fazia, porque ambientado numa mesma
cultura vivenciada, tanto pelo escritor quanto por seus leitores e ouvintes.
Não havia, portanto, código subliminar, charadas escondidas, nem pegadinhas
semânticas. Até porque o texto bíblico não é um caça-palavras ou um jogo de
palavras cruzadas, como pretendem alguns, que insistem em tentar desvendar
supostos enigmas escondidos no texto sagrado.
Isso
explicado, podemos voltar ao primeiro dia desse período de quarentena, em que a
primeira aparição acontece a Maria Madalena, fato que poderíamos considerar sem
qualquer importância para uma afirmação legal de que Jesus, como havia
previsto, efetivamente ressuscitou. E por que? Porque, de novo ambientando os
fatos para a realidade da época em que acontecem, o testemunho de uma mulher,
naquela sociedade extremamente machista, não servia como atestado de verdade ou
fé pública.
Ou
seja, uma afirmação de Maria Madalena não podia denotar fato comprovado e
verídico, o que trazido para a realidade de nossos dias, não poderia ser
considerado prova por improbidade da fonte. Ou se preferirem, seria um fato não
crível, por falta de prova científica. E eu aproveito para dizer: Ainda bem.
Porque há um componente extremamente necessário e intrínseco a tudo o que
envolve fé; a impossibilidade da prova. O que deixa para a fé, todo o exercício
de sustentação da convicção que nos faz crer no improvável. E a marcha da
Igreja não poderia ter seu primeiro passo firmado senão em fé; porque o justo,
o justificado, viverá pela fé.
Quando
alguém pergunta, por exemplo, “quanto é dois mais dois”, e um outro alguém
responde “quatro”, aquele que ouve a resposta não precisa crer que a resposta
está certa. Ele apenas aceita ou constata, uma vez que “dois mais dois” sempre
foi, é e será “quatro”; uma verdade passível de comprovação, porque se “quatro
menos dois é igual a dois”, logo, “dois mais dois é igual a quatro”. Uma
questão típica de ciência exata.
Quando,
porém, uma criança que colocada sobre um lugar alto, pergunta para seu pai
“posso pular?” e esse pai diz “pode” e abre os braços para recebe-la, não há
qualquer equação exata que leve a criança a concluir, constatar, ou mesmo
produzir prova cabal para si mesma de que seu pai a irá segurar, garantindo que
ela não se machuque. Em lugar de qualquer prova, essa criança acredita em seu
pai e pronto. Sua confiança não está na comprovação exata de qualquer cálculo
matemático que realize antes do salto. Ela confia no pai. Tem fé nele. Sabe que
o pai a ama, e então salta. Apenas se lança, sem medo ou receio. Convicta de
que será amparada. Sua confiança está no pai, e não no que ela pode
racionalizar e concluir sobre seu salto.
Ora,
a ressurreição também não poderia, não pôde e não pode ser provada
cientificamente. Nem naqueles tempos e nem mesmo em nossos dias. O que, ato
contínuo, nos torna efetivos participantes dessa marcha. Pois somos testemunhas
de tão grande salvação, porque o Jesus ressurreto vive! E como é que puderam no
passado e que podemos hoje, afirmar isso como verdade? Porque seu Espírito
habita em nós. E, de novo, não há nada de científico nisso. Nada provável.
Apenas convicção em fé porque intimamente experimentado. E isso é muito e isso
é tudo.
Quem precisa de provas?
Pode
ser que alguém, a essa altura, questione: mas Jesus nesses quarenta dias após a
ressurreição não apareceu a outros discípulos, e até mesmo a Tomé, que
pediu-lhe para ver as marcas de suas mãos e até pôde tocar em seu lado
perfurado pela lança ainda na cruz? Sim, claro. Mas lembrem-se de que Lázaro
também foi ressuscitado. E nem por isso se fez crer com o messias filho de
Deus. Sua ressurreição como fato era incontestável. O texto faz questão de
relatar que todos ao redor do túmulo, inclusive oficiais religiosos,
testemunhavam sua morte há alguns dias, somado ao fato de que já cheirava mal.
Ora,
se tanto Lázaro quanto Jesus tiveram a ressurreição como fato comprovado, no
mínimo por testemunho de circunstantes, e já não falamos mais apenas do
testemunho de Maria Madalena, qual é a diferença entre ambas as ressurreições,
que faz uma ser fato comprovado, sem necessidade de sustento da fé, e a outra,
a do Jesus que ressuscitou Lázaro, ser uma questão de fé? É que as aparições de
Jesus ao longo dos quarenta dias são comprovações do cumprimento da promessa de
sua própria ressurreição e da vida eterna que por Ele haveríamos de herdar. Não
eram prova de um fato ocorrido ao terceiro dia após sua morte, mas de que Jesus
era efetivamente o Messias prometido, o Filho de Deus encarnado, o Cordeiro imolado
por nossos pecados e o Senhor da vida. E por isso Tomé diz: meu Senhor e meu
Deus. Ou seja, ao aparecer aos discípulos naqueles quarenta dias, Jesus não
prova pura e simplesmente sua ressurreição, mas antes reafirma definitivamente
aos seus discípulos, o seu Messianismo; Jesus, o Cristo de Deus. A marcha da
igreja é uma marcha de fé. Que testemunha o que pela fé acredita.
Pode
ser que o exercício empreendido até aqui tenha sido bem puxado. Reconheço que
meus miolos também fritaram durante a imersão nos textos bíblicos e nas
referências teológicas e históricas que utilizamos no aprofundamento desse
período inicial de nossos estudos. Mas também entendo que começamos do jeito
que eu mais queria; tirar todos da zona de conforto. Talvez tenha sido necessário
ler uma, duas ou até três vezes o que afirmamos nos parágrafos anteriores. Não
esmoreça no caminho, porque valerá muito à pena seguirmos em marcha.
Concluídas
as instruções e terminado o período de recuperação, Jesus levou seus discípulos
ao Monte das Oliveiras e os abençoou antes de ascender ao céu diante de seus
olhos. Não receberam diploma, mas lhes estava prometida a coroa da vida. A
transição de comando estava completada. A partir de agora sua Igreja marcharia
por conta própria. Empoderada sim, pelo Espírito Santo, mas firmada na fé no
Cristo, o Salvador do mundo. Seu Senhor e seu Deus.
Mas
lembra que antecipamos que há relevâncias teológicas nas aparições de Jesus nos
quarenta dias, bem como na sua ascensão? Muito bem, falaremos disso no capítulo
seguinte. Nem tirem as botas dos pés. Logo retomaremos a marcha.
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